A eleição ao papado de um herege público é inválida por lei divinaA eleição ao papado de um herege público é inválida por lei divina

Exporemos algumas citações de célebres teólogos aprovados pela Santa Igreja sustentando a doutrina comum e constante de que a eleição ao papado de um herege é inválida por lei divina ou por direito divino1. Não se trata da situação de um papa que de alguma forma se desvia da fé, pois isso trataremos em outro artigo, mas sim da impossibilidade de um herege ser eleito validamente como papa.

Neste contexto, devemos entender por “herege” não o oculto, mas o público2, como explicitamente afirmam alguns teólogos. Não exporemos as citações onde teólogos afirmam simplesmente que é inválida a eleição papal de um herege, de um infiel ou de um não-membro da Igreja, conquanto poderíamos, pois, apesar de não afirmarem que essa invalidez decorre da lei divina, certamente esses teólogos pensavam assim, uma vez que não parece existir nada na lei eclesiástica ou no Código Direito Canônico de 1917 que impeça um herege de ser eleito papa, ainda mais considerando a Constituição do Papa Pio XII que suspende todo impedimento eclesiástico para a eleição papal3, daí fica evidente o porquê alguns canonistas mencionam somente a lei divina como causa de invalidade da eleição papal. Fontes onde outros teólogos afirmam ser inválida a eleição ao papado de um herege ou não-membro da Igreja: A. Vermeersch, S.I. & J. Creusen, S.I., Epitome I.C., 1933, t. I, n. 335; Dominicus M. Prümmer, O.P., Manuale I.C., 1927, q. 94; Caesar Badii, Institutiones I.C., n. 160; Stephanus Sipos, Enchiridion Iuris Canonici, n. 153; Matthew Ramstein, O.F.M., A Manual of Canon Law, 1947, pg. 192.
 
Quanto às objeções a essa doutrina certíssima que fundamenta a posição sedevacantista, estão respondidas em outro artigo.

 

FRANCIS XAVIER SCHMALZGRUEBER, S.I.

“Questão 9. Pode a eleição do Sumo Pontífice ser impugnada? Ainda que tenha sido dada a conhecer com o consentimento de todos, é certo que tal eleição pode ser impugnada se o eleito incorre em algum defeito pelo qual se torna incapaz por lei natural ou divina, por exemplo, caso ele seja uma criança, um louco, uma mulher, um herege ou ainda um não batizado. A razão é que, como dito na questão anterior, a Igreja não pode através de seu consentimento tolerar tais impedimentos e nem suprir sua deficiência” – Francis Xavier Schmalzgrueber, S.I., Ius ecclesiasticum universum, Rome, 1843, t. I, pars II, p. 376, n. 99

TOMMASO DE VIO (CARDEAL CAETANO), O.P.

“Também é evidente que para que Pedro se torne efetivamente Papa, de modo que seja Papa, e consequentemente para que esse poder da Igreja exerça eficazmente o ato constitutivo de união entre Pedro e o papado, algumas disposições são requeridas para Pedro, umas de modo simplesmente necessárias e outras para o bem-estar. As duas requeridas de modo simplesmente necessárias são: ser livre e ser cristão. Pois alguém nunca, por mais que seja eleito Papa, o é sem o seu consentimento, e do mesmo modo, não é Papa, a menos que seja membro de Cristo. A segunda disposição é exigida pelo direito divino; e como a ordem da graça pressupõe a ordem da natureza, a primeira disposição é exigida pelo direito natural” – Tommaso De Vio (Cardeal Caetano), O.P., De Comparatione Auctoritatis Papae et Concilii Cum Apologia Eiusdem, cap. XXVI, n. 382, pg. 167-8

FRANCISCO XAVERIO WERNZ, S.I., & PETRI VIDAL, S.I.4

“Aqueles capazes de serem validamente eleitos são todos aqueles que não são proibidos pela lei divina ou por uma lei eclesiástica invalidante. […] Aqueles que são barrados, como incapazes de serem validamente eleitos, são todas as mulheres, as crianças que não atingiram a idade da razão, aqueles que sofrem de insanidade habitual, os não batizados, os hereges e os cismáticos” – Francisco Xaverio Wernz, S.I., & Petri Vidal, S.I., Ius Canonicum, 1938, t. I, n. 415

FELIX M. CAPPELLO, S.I.

“Retirada por Pio X a nulidade da eleição simoníaca instituída por Júlio II, dizemos em geral que se requer que o eleito não seja retido por nenhum impedimento de direito divino e natural. Em particular, para ser válido, é necessário ser eleito um a) homem, b) senhor de si, c) membro da Igreja. […] Um membro da Igreja, pois o Pontífice, em virtude de seu ofício, é a cabeça e o centro eclesiástico de toda a Igreja, de cuja jurisdição só podem ser participantes os que já estão unidos ao corpo de Cristo. Portanto, os infiéis ou eleitos não batizados não são válidos em nenhuma circunstância” – Félix M. Cappello, De Curia Romana iuxta reformat, vol. II, 1912, p. 434

MICHAEL BARGILLIAT

“Podem ser validamente eleitos todos aqueles que não estão impedidos pelo direito divino ou pelo direito eclesiástico invalidante […]. c) São excluídos como inábeis para uma eleição válida: as mulheres, as crianças que não chegaram ao uso da razão, os que sofrem de demência habitual, os não batizados, os hereges e os cismáticos” – Michael Bargilliat, Praelectiones juris canonici, 1921, ed. 34, t. 1, n. 453

MATTHAEUS CONTE A CORONATA, O.M.C.

“III. Nomeação do ofício do Primado. 1. O que é exigido pela lei divina para essa nomeação: […] também é necessário para a validade que a nomeação seja de um membro da Igreja. Os hereges e apóstatas (ao menos os públicos) são, portanto, excluídos” – Matthaeus Conte a Coronata, O.M.C., Instituitiones Iuris Canonici, Rome Marietti, 1950, t. I, n. 312

PHILIPPO MAROTO

“A validade da eleição, no que diz respeito à pessoa eleita, depende apenas da lei divina – em outras palavras, nenhum outro impedimento, exceto aqueles estabelecidos pela lei divina, torna inválida a eleição de um Romano Pontífice […] Portanto, para a eleição válida de um Romano Pontífice agora é necessário e suficiente que a pessoa eleita seja: […] c) Um membro da Igreja, pois aquele que não pertence à Igreja é considerado incapaz de possuir jurisdição, especialmente jurisdição ordinária, e não pode de fato ser o chefe dessa Igreja (n. 576, A). Por essa razão, os infiéis e os não batizados não podem – de forma alguma – ser validamente eleitos. Assim também, a própria lei divina exclui os hereges e cismáticos do supremo Pontificado. Pois, embora a lei divina não os considere incapazes de um tipo de participação na jurisdição da Igreja (n. 576, E [sobre jurisdição de suplência, N.T.]), eles devem certamente ser considerados como excluídos de ocupar a cátedra da Sé Apostólica, que é a mestra infalível da verdade da fé e o centro da unidade eclesiástica” – Philippo Maroto, Instituitiones Iuris Canonici, 1919, t. II, n. 784

GUIDUS COCCHI, C.M.

“Para a validade da eleição no que diz respeito à pessoa eleita, basta apenas que ela não seja impedida de exercer o ofício pela lei divina – ou seja, qualquer cristão do sexo masculino, mesmo um leigo. Portanto, estão excluídos: mulheres, aqueles que não têm o uso da razão, infiéis e aqueles que são, ao menos publicamente, não-católicos” – Guidus Cocchi, C.M., Commentarium in Codicem Iuris Canonici, 1929, t. II, n. 151

IOANNE B. FERRERES, S.I.

“Qualquer pessoa que não tenha um impedimento da lei divina pode ser validamente eleita […] Por essa razão, apenas mulheres, crianças que não têm o uso da razão, os insanos, os não batizados, os hereges e os cismáticos são excluídos” – Ioanne B. Ferreres, S.I., Institutiones Canonicae, t. I, n. 407

CÔNEGO RAOUL NAZ

“Qualquer pessoa pode ser eleita que não esteja impedida de exercer o ofício pela lei divina ou pela lei eclesiástica. Mulheres, crianças, loucos, não batizados, hereges e cismáticos estão impedidos” — Cônego Raoul Naz, Traité de Droit Canonique, 1946, t. I, n. 365

CLAEYS BOUUAERT, J.C.M. & G. SIMENON

“Os que não são impedidos por lei divina ou eclesiástica anulante são validamente elegíveis. Mulheres, crianças, aqueles que sofrem de insanidade habitual, não batizados, hereges e cismáticos são com toda certeza excluídos” – Claeys Bouuaert, J.C.M. & G. Simenon, Manuale Iuris Canonici, 1951, t. I, lib. I-II, n. 378

Notas

  1. Isso é admitido pelo próprio Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, que não era sedevacantista, em sua obra magna “Considerações sobre o ‘Ordo Missae’ de Paulo VI”: “É uma opinião comum que a eleição de uma mulher, de uma criança, de um demente ou de um que não é membro da Igreja (não batizado, herege, apóstata, cismático) seria nula por lei divina”. O autor indica em nota suas referências: Ioannes-B. Ferreres: Institutiones canonicae, Barcelone 1917, t. I, p. 132; Matthæus Conte a Coronata: Institutiones iuris canonici, Taurini 1928, t. I, p. 360; Franciscus Schmalzgruber: Ius ecclesiasticum universum, Rome 1843, t. I, pars II, p. 376, n. 99; Cajetan: De auctoritate…, c. 26, n. 382, p. 167-168.
    No entanto, o referido autor, tal como os demais cegos anti-sedevacantistas, especialmente os sedeplenistas e sedeprivacionistas, deteve-se infelizmente na questão disputada sobre a deposição de um papa que – como doutor privado – incorre em heresia, como se essa fosse a situação dos falsos papas Novus Ordo que ensinam heresias exercendo o magistério papal à Igreja universal, e, além disso, no fim as ambas posições principais, dominicana e jesuíta, provam pelos seus princípios a causa da invalidade das supostas eleições papais depois de 1958, pois se elas concordam em sustentar que o papa, que publicamente incorreu heresia em seu magistério privado, pode – por lei divina – perder o papado, discordando em como essa perda se daria, com muito mais razão então concordam ou concordariam que a eleição ao papado de um herege público ou manifesto é – por lei divina – inválida, como concordava o Cardeal Caetano, seguido mais ou menos pelos demais dominicanos nessa questão do papa herege. 
  2. Definição de herege público: “aquele cujo delito de heresia é público, isto é, se já foi divulgado, ou se foi cometido sob tais circunstâncias que sua divulgação pode e deve ser prudentemente considerada facilmente possível”. Quanto às demais definições sobre “herege”, estão expostas em outro artigo disponível em: https://www.zelanti.net/pt-BR/posts/definicoes-relacionadas-a-herege 
  3. Em outro artigo ficou explicado como deve ser entendida essa suspensão da Constituição Apostólica do Papa Pio XII, Vacantis Apostolicae Sedis. 
  4. O Padre Francisco Xaverio Wernz, que foi professor de Direito Canônico e reitor na Pontifícia Universidade Gregoriana e Superior Geral dos jesuítas, recebeu do Padre Vidal em 1938 uma reedição e atualização de sua obra Ius Decretalium. Quando o Padre Wernz a publicou originalmente, o Papa São Pio X não havia ab-rogada a lei eclesiástica do Papa Júlio II que invalidava a eleição papal por simonia, como o fez com sua Constitução Vacante Sede Apostolica de 1904, razão por que o referido Padre fala ainda de lei eclesiástica invalidante, conforme expõe o Padre Cappello, que foi professor de Direito Canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana por 29 anos: “Quanto à 7ª (objeção). A doutrina do ilustríssimo Wernz e de outros canonistas não difere minimamente daquela que até agora transmitimos. As palavras ‘lei eclesiástica irritante (invalidante)’ referem-se indubitavelmente à Constituição de Júlio II, pela qual a eleição simoníaca é declarada inválida. De fato, ele escreve: ‘São excluídos como inábeis para uma eleição válida […] os simoníacos, até que, não tenha sido legitimamente derrogada a Constituição de Júlio II quanto à força de invalidar a eleição simoníaca, resguardada sempre a lei divina de gravíssima proibição’. Essa derrogação foi introduzida por Pio X. Portanto, considerada a disciplina atual, não há nenhum impedimento eclesiástico quanto à eleição do Romano Pontífice” (op. cit., pg. 436). 
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