Os próprios homens que aparentam possuir autoridade na Igreja ensinam erros e impõem leis nocivas. Como reconciliar isso com a infalibilidade?
Se hoje você assiste regularmente à Missa Tridentina, é por ter concluído em algum momento que a Missa tradicional e as doutrinas tradicionais eram católicas e boas, enquanto que a Missa Nova e os ensinamentos modernos, de algum modo, não eram.
Mas (assim como eu) você provavelmente teve algumas preocupações iniciais: E se a Missa Tridentina à qual estou indo não for aprovada pela diocese? Estou desafiando a autoridade legítima na Igreja? Estou desobedecendo ao Papa?
Essa é a “questão da autoridade”, e parece apresentar um verdadeiro dilema. A Igreja ensina que o Papa é infalível em fé e moral. Os bons católicos, além disso, obedecem às leis do Papa e da Hierarquia. Os maus católicos escolhem a quais leis eles querem obedecer. Ao mesmo tempo, no entanto, os próprios homens que pareceriam possuir autoridade na Hierarquia nos obrigam a aceitar doutrinas e uma missa que prejudicam a fé ou têm outros efeitos desastrosos. O que um católico há de fazer?
Por que rejeitar as mudanças?
Para solucionar o dilema, deveríamos começar considerando o que foi que nos empurrou para fora de nossas paróquias Vaticano II, para início de conversa. Na maioria dos casos, foi a contradição com o ensinamento católico antes determinado ou foi a irreverência no culto. Noutras palavras, reconhecemos de imediato algum elemento da nova religião como sendo um erro doutrinal ou um mau.
E nem nos passou pela cabeça que nossas objeções se referissem a meras mudanças de minúcias. As novas doutrinas, pelo contrário, chocaram-nos como mudanças substanciais — transigências, traições, ou contradições diretas em oposições ao ensinamento católico imemorial. Ou então passamos a considerar o novo sistema de culto como mau — irreverente, desonroso ao Santíssimo Sacramento, repugnante à doutrina católica ou completamente destrutivo da fé de milhões de almas. Razões ponderosas como essas — e não meras picuinhas — foram o que nos impeliu a resistir às mudanças e a rejeitá-las.
Uma vez que tenhamos chegado a esse ponto e reconhecido (como fazemos e devemos fazer) que algum pronunciamento ou lei oficial emanado da hierarquia pós-Vaticano II contém erro ou mal, nós estamos, de fato, a meio caminho andado rumo à resolução da questão, aparentemente espinhosa, da autoridade. Examinemos o porquê.
Alguns erros e males
Para começar, listamos alguns dos erros e males oficialmente aprovados, seja pelo Vaticano II, seja por Paulo VI e seus sucessores:
• O ensinamento do Vaticano II (e do Código de Direito Canônico de 1983) de que a verdadeira Igreja de Cristo “subsiste na” (ao invés de “é”) a Igreja Católica. Isso implica que a verdadeira Igreja pode também “subsistir” noutros corpos religiosos.
• A abolição, no Vaticano II e no Código de Direito Canônico de 1983, da distinção tradicional entre a finalidade primeira (procriativa) e a secundária (unitiva) do matrimônio, a nivelação desses fins no mesmo patamar e a inversão da sua ordem. A mudança fornece apoio tácito à contracepção, dado que a proibição do controle de natalidade se baseava no ensinamento de que a procriação é a finalidade primordial do matrimônio.
• A supressão sistemática feita no novo Missal de Paulo VI, mesmo na versão original em latim, dos seguintes conceitos: inferno, juízo divino, ira de Deus, punição pelo pecado, a perversidade do pecado como o maior dos males, desapego do mundo, Purgatório, as almas dos finados, o reinado de Cristo na terra, a Igreja militante, o triunfo da Fé Católica, os males da heresia, do cisma e do erro, a conversão dos acatólicos, os méritos dos santos e milagres. Expurgar da liturgia essas doutrinas é sinalizar que não são mais verdadeiras ou que não são ao menos suficientemente importantes, para merecer uma menção na oração oficial da Igreja.
• A aprovação oficial dada por Paulo VI à comunhão na mão. Essa prática foi imposta pelos protestantes do século XVI para negar a transubstanciação e a natureza sacramental do sacerdócio.
• A introdução oficial da doutrina do Novo Ordo de Missa, que ensinou que a Missa é uma ceia comunitária, concelebrada pela congregação e seu presidente, durante a qual Cristo está presente no povo, nas leituras da Escritura, e no pão e vinho. Esse é um entendimento protestante ou modernista da Missa, e proveu o fundamento teórico sobre o qual tantos “abusos” subsequentes repousariam.
Os ensinamentos de Bento XVI
Ao que se disse, poderíamos somar muitos ensinamentos de João Paulo II e Bento XVI, ambos retratados falsamente como “conservadores” doutrinais.
Seus pronunciamentos e escritos revelam um problema teológico generalizado que vai muito além da questão da Missa Tridentina vs. Missa Nova.
Bento XVI, como Joseph Ratzinger, foi um dos mais importantes teólogos modernistas no Vaticano II, e deixou um longo rastro de papel de seus erros.
Ele foi o principal arquiteto de uma nova teologia da Igreja que postula um “Povo de Deus” e uma “Igreja de Cristo” não idênticos à Igreja Católica Romana, mas a uma Super-Igreja ou “Igreja Frankenstein” criada a partir de “elementos” da verdadeira Igreja que são possuídos seja plenamente (pelos católicos) ou parcialmente (pelos hereges e cismáticos).
O elo que junta as partes desse monstro ecumênico é a noção ratzingeriana de Igreja como “comunhão”. Como Cardeal e principal consultor doutrinal de João Paulo II, ele desenvolveu essa ideia na Carta sobre a Comunhão da CDF de 1992, na Declaração Dominus Jesus de 2000, no Código de Direito Canônico de 1983 e no Catecismo de 1997. Eis algumas proposições típicas extraídas do ensinamento de Ratzinger:
• Corpos cismáticos são “Igrejas particulares” unidas à Igreja Católica por “estreitíssimos vínculos” (Comunhão 17).
• A igreja universal é o “corpo das igrejas [particulares]” (ibid. 8).
• As igrejas cismáticas têm uma existência “ferida” (ibid. 17).
• A “Igreja universal se torna presente nelas [nas igrejas particulares] com todos os elementos essenciais dela” (ibid. 7).
• A Igreja de Cristo está “presente e operante” em igrejas que rejeitam o Papado (Dominus Jesus, 17).
• Vem-se a ser membro do “Povo de Deus” pelo batismo (Catecismo 782).
• Todo este Povo de Deus participa do ofício de Cristo (ibid. 783).
• O Corpo de Cristo, a Igreja, está “ferido” (ibid. 817).
• O Espírito de Cristo serve-Se de corpos cismáticos e heréticos como “meios de salvação” (ibid. 819).
• Cada “Igreja particular” é “católica”, mas algumas são “plenamente católicas” (ibid. 832, 834).
Esses ensinamentos são contrários a um artigo de fé divina e católica: “Creio na Igreja Una.” “Una” no Credo refere-se àquela propriedade da Igreja pela qual ela é “indivisa em si mesma e separada de todas as outras” em fé, disciplina e culto. Os ensinamentos de Ratzinger também são contrários ao ensinamento dos Padres da Igreja e do Magistério Ordinário e Universal de que os hereges estão “fora da comunhão católica e são estrangeiros à Igreja.” (Papa Leão XIII)
A Igreja não tem como dar o mal
Essas listas poderiam, provavelmente, continuar por páginas a fio. Onde queremos chegar é que cada item pode ser categorizado ou como erro (uma contradição ou alteração substancial dos ensinamentos do magistério pré-Vaticano II) ou como um mal (algo ofensivo a Deus, prejudicial à salvação das almas). Mas a mesma fé que nos diz que as mudanças são más nos diz também que a Igreja não tem como defeccionar no seu ensinamento ou dar o mal.
Uma das propriedades essenciais da Igreja Católica é a sua indefectibilidade. Isso significa, entre outras coisas, que o ensinamento dela é “imutável e permanece sempre o mesmo” (Sto. Inácio de Antioquia). É impossível para ela contradizer o seu próprio ensinamento.
Além disso, outra propriedade essencial da Igreja de Cristo é a sua infalibilidade. Isso não se aplica (como alguns católicos tradicionalistas parecem pensar) apenas a raros pronunciamentos papais ex cathedra tal como aqueles que definiram a Imaculada Conceição e a Assunção. A infalibilidade também se estende às leis disciplinares universais da Igreja.
O princípio, exposto em textos clássicos de teologia dogmática como Salaverri (I:722), Zubizarreta (I:486), Herrmann (I:258), Schultes (314–7) e Abarzuza (I:447) é tipicamente explicado como segue:
“A infalibilidade da Igreja se estende a… leis eclesiásticas emanadas para a Igreja universal para o direcionamento do culto cristão e da vida cristã… Mas a Igreja é infalível ao emanar um decreto doutrinal como foi declarado acima — e isso a tal ponto que ela nunca pode sancionar uma lei universal que esteja em discrepância com a fé ou a moralidade, ou que seja por sua própria natureza conducente ao dano das almas….
Se a Igreja viesse a cometer erro, da maneira exposta, quando legislasse para a disciplina geral, ela deixaria de ser uma guardiã fiel da doutrina revelada ou uma mestra confiável do modo de vida cristão. Não seria guardiã da doutrina revelada, pois a imposição de uma lei nociva seria, para todos os fins práticos, equivalente a uma errônea definição doutrinal; e naturalmente todos concluiriam que aquilo que a Igreja havia mandado estaria condizente com a sã doutrina. Ela então não seria mestra do modo de vida cristão, pois introduziria por suas leis a corrupção na prática da vida religiosa” (Van Noort, Dogmatic Theology, 2:91).
É impossível, então, que a Igreja dê alguma coisa má através das leis dela — incluindo as leis que regulam o culto.
O reconhecimento, por um lado, de que a hierarquia pós-Vaticano II promulgou oficialmente erros e males, e a consideração, por outro lado, das propriedades essenciais da Igreja, levam-nos a uma conclusão sobre a autoridade da hierarquia pós-Vaticano II: dado a indefectibilidade da Igreja em seu ensinamento (o ensinamento dela não tem como mudar) e dado a infalibilidade da Igreja em suas leis disciplinares universais (as suas leis litúrgicas não podem comprometer a doutrina ou prejudicar as almas), é impossível que os erros e males que mencionamos possam ter procedido do que realmente seja a autoridade da Igreja. Tem de haver outra explicação.
Perda de ofício por heresia
A única explicação para esses erros e males que preserva as doutrinas da indefectibilidade e da infalibilidade da Igreja é a de que os clérigos que os promulgaram perderam de algum modo como indivíduos a autoridade de oficiais na Igreja, que eles de resto aparentavam possuir; ou então, que eles nunca chegaram a possuir tal autoridade diante de Deus, para início de conversa. Os pronunciamentos deles tornaram-se juridicamente nulos e incapazes de vincular os católicos — assim como os decretos dos bispos da Inglaterra que aceitaram a heresia protestante no século XVI se tornaram nulos e vazios de autoridade para os católicos.
Uma tal perda de autoridade deriva de um princípio geral na lei da Igreja: a defecção pública da Fé Católica despoja automaticamente uma pessoa de todos os ofícios eclesiásticos que ela pudesse possuir. Quando se pára para pensar, faz todo o sentido: seria absurdo que alguém que não professasse verdadeiramente a Fé Católica tivesse autoridade sobre os católicos que a professam.
O princípio de que quem defecciona da Fé perde automaticamente seu ofício se aplica a párocos, bispos diocesanos e outros oficiais da Igreja semelhantes. Também se aplica ao papa.
Perda de ofício papal
Teólogos e canonistas como São Roberto Belarmino, Caetano, Suaréz, Torquemada, Wernz e Vidal mantêm, sem comprometer a doutrina da infalibilidade papal, que mesmo um papa (enquanto indivíduo, é claro) pode tornar-se, ele próprio, um herege e, assim, perder o pontificado. Alguns desses autores também sustentam que um papa pode se tornar cismático.
No seu grande tratado sobre o Romano Pontífice, São Roberto Belarmino, por exemplo, faz a pergunta: “Se um papa herege pode ser deposto”. Note-se antes, aliás, que essa questão presume que um papa possa realmente tornar-se herege. Após uma longa discussão, Belarmino conclui:
“Um papa que é herege manifesto deixa automaticamente (per se) de ser papa e cabeça, assim como ele deixa automaticamente de ser cristão e membro da Igreja. Por isso, ele pode ser julgado e punido pela Igreja. Esse é o ensinamento de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda a jurisdição” (De Romano Pontifice, II, 30)
Belarmino cita passagens de Cipriano, Driedo e Melquior Cano para respaldar sua posição. O fundamento desse ensinamento, diz ele ao fim, é que um herege manifesto não é de maneira alguma membro da Igreja — nem da alma e nem do corpo dela, nem por união interna, nem por união externa.
Outros grandes canonistas e teólogos após Belarmino respaldaram igualmente essa posição. O Ius Canonicum de Wernz-Vidal, uma obra em oito volumes publicada em 1943 que talvez seja o mais acatado comentário ao Código de Direito Canônico de 1917, afirma:
“Mediante heresia notória e amplamente divulgada, o Romano Pontífice, se ele cair em heresia, por esse fato mesmo [ipso facto] é considerado destituído do poder de jurisdição antes mesmo de todo e qualquer julgamento declaratório por parte da Igreja…. Um papa que caísse em heresia pública deixaria ipso facto de ser membro da Igreja; logo, ele deixaria também de ser o cabeça da Igreja” (II:453)
Canonistas pós-Vaticano II
A possibilidade de que um papa possa tornar-se herege e perder o seu ofício é reconhecida também por um autorizado comentário ao Código de Direito Canônico de 1983:
“Os canonistas clássicos debateram a questão de se um papa, em suas opiniões privadas ou particulares, poderia entrar em heresia, apostasia ou cisma. Se ele viesse a fazê-lo de maneira notória e amplamente publicada, ele romperia a comunhão, e conforme uma opinião aceita, perderia o seu ofício ipso facto (c. 194 §1, 2º). Dado que ninguém pode julgar o papa (c. 1404), ninguém poderia depor um papa por tais crimes, e os autores estão divididos sobre como essa perda de ofício seria declarada de tal modo que a vacância pudesse então ser preenchida por uma nova eleição.” (J. Corridan et al., eds., The Code of Canon Law: A Text and Commentary commissioned by the Canon Law Society of America, New York: Paulist 1985, c. 333).
O princípio de que um papa herege perde automaticamente o seu ofício, portanto, é amplamente admitido por uma grande variedade de canonistas e teólogos católicos.
Papas Inocêncio III & Paulo IV
Mesmo papas levantaram a possibilidade de que um herege acabasse de algum modo no trono de Pedro.
O Papa Inocêncio III (1198–1216), um dos mais vigorosos campeões da autoridade papal na história do Papado, ensina:
“Menos ainda pode gabar-se o Romano Pontífice, pois ele pode ser julgado pelos homens — ou melhor, ser mostrado como já julgado —, caso ele manifestamente ‘perca seu sabor’ na heresia. Pois quem não crê já está julgado” (Sermão 4: In Consecratione, PL 218:670).
Durante o tempo da revolta protestante, o Papa Paulo IV (1555–1559), outro pujante defensor das prerrogativas do Papado, suspeitava de que um dos cardeais com boas chances de ser eleito papa no conclave seguinte fosse um herege secreto.
Em 16 de fevereiro de 1559, pois, ele emitiu a Bula Cum ex Apostolatus Officio. O Pontífice decretou que se algum dia porventura sucedesse de alguém que foi eleito Romano Pontífice ter antes “desviado da Fé Católica ou caído em qualquer heresia”, sua eleição, mesmo que com o acordo e consentimento unânime de todos os cardeais, seria “nula, legalmente inválida e sem efeito.”
Todos os atos, leis e nomeações subsequentes de um tal papa invalidamente eleito, decretou ainda Paulo IV, “ficariam carentes de vigor, e não concederiam nenhuma estabilidade e poder legal a ninguém, de maneira alguma”. Ele ordenou, ademais, que todos aqueles que fossem nomeados a ofícios eclesiásticos por um tal papa estariam, “por esse fato mesmo e sem necessidade de fazer qualquer declaração ulterior, privados de toda dignidade, posição, honra, título, autoridade, ofício e poder.”
A possibilidade de heresia, então, e a concomitante falta de autoridade por parte de um indivíduo que aparenta ser papa, não é nada remota e está, de fato, fundada no ensinamento de pelo menos dois papas.
As alternativas
Trocando em miúdos, por um lado sabemos que a Igreja não pode defeccionar. Por outro, sabemos que teólogos e mesmo papas ensinam que um papa enquanto indivíduo pode defeccionar da Fé e, destarte, perder o seu ofício e autoridade.
Uma vez que reconheçamos os erros e males da religião pós-Vaticano II, duas alternativas então se apresentam:
(1) A Igreja defeccionou.
(2) Homens defeccionaram e perderam seus ofícios e autoridade.
Deparando-se com uma tal escolha, a lógica da fé dita que afirmemos a indefectibilidade da Igreja, e reconheçamos as defecções dos homens.
Dito de outro modo, nosso reconhecimento de que as mudanças são falsas, más ou devendo ser rejeitadas é também um reconhecimento implícito de que os homens que as promulgaram não possuíam realmente a autoridade da Igreja. Todos os tradicionalistas, alguém poderia dizer então, são na realidade “sedevacantistas” — apenas nem todos eles perceberam isso ainda.
Assim a questão da autoridade fica resolvida. Os católicos que estão lutando para preservar a Fé após a apostasia pós-Vaticano II não têm absolutamente nenhuma obrigação de obedecer àqueles que perderam sua autoridade ao adotarem o erro.
Sumário dos pontos
Um sumário de todo o supra talvez viesse a calhar aqui:
1. Ensinamentos e leis oficialmente sancionados do Vaticano II e pós-Vaticano II incorporam erros e/ou promovem o mal.
2. Por ser indefectível a Igreja, o ensinamento dela não tem como mudar, e, por ser ela infalível, as suas leis não têm como dar o mal.
3. Logo, é impossível que os erros e males oficialmente sancionados nos ensinamentos e leis do Vaticano II e pós-Vaticano II tenham procedido da autoridade da Igreja.
4. Aqueles que promulgam tais erros e males devem, de algum modo, carecer de autoridade real na Igreja.
5. Canonistas e teólogos ensinam que a defecção da Fé, assim que se torna manifesta, traz consigo a automática perda de ofício eclesiástico (autoridade). Eles aplicam esse princípio até mesmo a um papa que, a título pessoal, de algum modo se tornasse herege.
6. Mesmo papas reconheceram a possibilidade de que um herege um dia acabasse no trono de Pedro. Paulo IV decretou que a eleição de um papa assim seria inválida, e que este careceria de toda a autoridade.
7. Dado que a Igreja não tem como defeccionar, mas um papa enquanto indivíduo tem como defeccionar (assim como, a fortiori, podem defeccionar os bispos diocesanos), a melhor explicação para os erros e males pós-Vaticano II listados acima é a de que estes procederam (procedem) de indivíduos que, apesar de sua ocupação do Vaticano e das diversas catedrais diocesanas, não possuíam (possuem) objetivamente autoridade canônica.
Demonstramos amplamente aqui ser contra a Fé Católica asseverar que a Igreja pode ensinar erro ou promulgar leis más. Mostramos também que o Vaticano II e suas reformas deram-nos erros que vão contra a doutrina católica e leis más que são adversas à salvação das almas.
Logo, a Fé mesma obriga-nos a afirmar que os que ensinaram esses erros ou promulgaram essas leis más, não importa que aparência de autoridade possam ter, não possuem realmente a autoridade da Igreja Católica. Somente assim a indefectibilidade da Igreja Católica é preservada. Devemos, pois, como católicos que afirmamos que a Igreja é indefectível e infalível, rejeitar e repudiar as alegações de que Paulo VI e sucessores tenham sido verdadeiros papas.
Em compensação, deixamos para a autoridade da Igreja, quando ela voltar a funcionar de maneira normal, declarar com autoridade que esses supostos papas foram não-papas. Nós, como simples sacerdotes, não podemos, afinal de contas, fazer julgamentos autoritativos, quer legais ou doutrinais, que vinculem as consciências dos fiéis.
Nós, católicos tradicionais, por fim, não fundamos uma nova religião, mas estamos meramente empenhados numa “ação de contenção” para preservar a Fé e o culto católico até dias melhores. Entrementes, esse objetivo será servido se abordarmos questões difíceis com solicitude não somente pelos princípios teológicos, como também pela virtude teológica da caridade.
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Apêndice 1
Heresia e perda de ofício papal
Pode parecer surpreendente para os católicos que aprenderam a doutrina da infalibilidade papal que um papa, como docente privado, possa no entanto cair em heresia e automaticamente perder seu ofício.
Para que não se pense que esse princípio é uma fantasia inventada por “fanáticos” tradicionalistas, ou, quando muito, apenas uma opinião minoritária exprimida por um ou dois autores católicos obscuros, reproduzimos alguns textos de Papas, Santos, canonistas e teólogos.
Os leitores leigos podem não estar familiarizados com os nomes de Coronata, Iragui, Badii, Prümmer, Wernz, Vidal, Beste, Vermeersch, Creusen e Regatillo. Esses sacerdotes foram autoridades internacionalmente reconhecidas em seus campos antes do Vaticano II. Nossas citações são tomadas de seus maciços tratados de Direito Canônico e Teologia Dogmática.
Matthaeus Conte a Coronata (1950) “III. Designação para o ofício do Primado [i.e. o Papado].
1.º O que é exigido por lei divina para essa designação: (a) É preciso que a designação seja de um homem que desfruta do uso da razão; e isto, no mínimo, devido à ordenação que o Primaz deve receber para possuir o poder de Ordens Sacras. De fato, isso é necessário para a validade da designação.
Também necessário para a validade é que a designação seja de um membro da Igreja. Os hereges e os apóstatas (ao menos os publicamente tais) ficam, portanto, excluídos.” …
“2.º Perda de ofício do Romano Pontífice. Isso pode acontecer de várias maneiras: …
c) Heresia notória. Certos autores negam a hipótese de que o Romano Pontífice possa de fato tornar-se herege.
Não se pode provar, contudo, que o Romano Pontífice, como doutor privado, não possa tornar-se herege; por exemplo, caso ele negasse contumazmente um dogma anteriormente definido. Tal impecabilidade nunca foi prometida por Deus. Com efeito, o Papa Inocêncio III admite expressamente que um caso desses é possível.
Se de fato uma tal situação acontecesse, ele [o Romano Pontífice] cairia, por lei divina, do ofício sem sentença alguma, com efeito, sem nem mesmo uma sentença declaratória. Aquele que professa abertamente a heresia põe-se a si próprio fora da Igreja, e não é provável que Cristo fosse preservar o Primado de Sua Igreja em alguém tão indigno. Por isso, se o Romano Pontífice viesse a professar heresia, antes de toda e qualquer sentença condenatória (a qual seria impossível mesmo) ele perderia a autoridade dele.”
Institutiones Iuris Canonici, Roma: Marietti 1950. 1:312, 316. (Grifos meus.)
Papa Inocêncio III (1198) “Para esse fim, a fé me é tão necessária que, embora eu tenha pelos demais pecados a Deus somente por meu juiz, é unicamente por pecado cometido contra a fé que eu posso ser julgado pela Igreja. Pois ‘aquele que não crê, já está julgado’.” Sermo 2: In Consecratione PL 218:656.
“Vós sois o sal da terra… Menos ainda pode gabar-se o Romano Pontífice, pois ele pode ser julgado pelos homens — ou melhor, ser mostrado como já julgado —, caso ele manifestamente ‘perca seu sabor’ na heresia. Pois quem não crê já está julgado.” Sermo 4: In Consecratione PL 218:670.
Santo Antonino (†1459) “No caso em que o papa se tornasse herege, ele se encontraria, por este único fato e sem qualquer sentença ulterior, separado da Igreja. Uma cabeça separada de um corpo não tem como, enquanto permanecer separada, ser cabeça do mesmo corpo do qual foi cortada.
Um papa que estivesse separado da Igreja por heresia, portanto, deixaria por esse próprio fato de ser o cabeça da Igreja. Ele não tem como ser herege e permanecer Papa, porque, estando fora da igreja, ele não pode possuir as chaves da Igreja.” Summa Theologica, citada nas Atas do Vaticano I. V. Frond pub.
Papa Paulo IV (1559) “Ademais, se em algum tempo vier a suceder que algum bispo (mesmo um que atue como arcebispo, patriarca ou primaz), ou um cardeal da Igreja de Roma, ou um legado (como foi mencionado acima), ou mesmo um Romano Pontífice (quer seja antes de sua promoção a cardeal ou antes de sua eleição para ser o Romano Pontífice) tivesse previamente se desviado da Fé Católica ou caído em alguma heresia, [Nós estipulamos, decretamos e definimos]:
— Tal promoção ou eleição é, por si mesma, ainda que com o acordo e o consentimento unânime de todos os cardeais, nula, legalmente inválida e sem nenhum efeito.
— Não será possível que uma tal promoção ou eleição venha a ser considerada válida ou a adquirir validez, nem pela recepção do ofício, consagração, subsequente administração, ou posse, nem sequer mediante a putativa entronização de um Romano Pontífice, juntamente da veneração e obediência a ele prestadas por todos.
— Tal promoção ou eleição não será, independentemente do tempo transcorrido na sobredita situação, considerada nem sequer parcialmente legítima, de modo algum….
— Todos e cada um dos pronunciamentos, atos, leis, nomeações por parte daqueles assim promovidos ou eleitos — e, de fato, tudo o que daí derivar, seja o que for — carecerá de vigor, e não outorgará nenhuma estabilidade nem poder legal nenhum a quem quer que seja.
— Aqueles assim promovidos ou eleitos, por esse fato mesmo e sem que haja necessidade de que seja feita qualquer declaração ulterior, estarão destituídos de toda e qualquer dignidade, posto, honra, título, autoridade, ofício e poder.” Bula Cum ex Apostolatus Officio. 16 de fevereiro de 1559.
São Roberto Bellarmino (1610) “Um papa que é herege manifesto deixa automaticamente (per se) de ser papa e cabeça, assim como ele deixa automaticamente de ser cristão e membro da Igreja. Por isso, ele pode ser julgado e punido pela Igreja. Esse é o ensinamento de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda a jurisdição.” De Romano Pontifice. II.30.
Santo Afonso de Ligório (†1787) “Se acontecer de um papa, como pessoa privada, cair em heresia, ele de imediato cairia do pontificado.”Oeuvres Complètes. 9:232
Vaticano I (1869), Serapius Iragui (1959) “O que se diria se o Romano Pontífice se tornasse herege? No Primeiro Concílio do Vaticano, a seguinte questão foi proposta: o Romano Pontífice enquanto pessoa particular pode ou não pode cair em heresia manifesta?
A resposta foi então: ‘Firmemente confiantes na Providência sobrenatural, pensamos que tais coisas muito provavelmente jamais ocorrerão. Mas Deus não falha nos tempos de necessidade. Por isso, se Ele próprio permitisse um mal desses, os meios para lidar com ele não faltariam.’ [Mansi 52:1109]
Os teólogos respondem da mesma forma. Não podemos provar a improbabilidade absoluta de uma tal eventualidade [absolutam repugnantiam facti]. Por essa razão, os teólogos comumente concedem que o Romano Pontífice, se viesse a cair em heresia manifesta, deixaria de ser membro da Igreja e, por isso, não poderia tampouco ser chamado de seu cabeça visível.” Manuale Theologiae Dogmaticae. Madrid: Ediciones Studium 1959, 371.
J. Wilhelm (1913) “O próprio papa, se notoriamente culpado de heresia, deixaria de ser papa, porque deixaria de ser membro da Igreja.” Catholic Encyclopedia. New York: Encyclopedia Press 1913. 7:261.
Caesar Badii (1921) “c) A lei atualmente em vigor para a eleição do Romano Pontífice reduz-se a estes pontos: …
Excluídos como incapazes de ser validamente eleitos são os seguintes: mulheres, crianças que não chegaram à idade da razão, aqueles que sofrem de insanidade habitual, os não batizados, os hereges e cismáticos….”
“Cessação do poder pontifício. Este poder cessa: … (d) Por heresia notória e amplamente divulgada. Um papa publicamente herege não mais seria membro da Igreja; por essa razão, ele não poderia mais ser sua cabeça.” Institutiones Iuris Canonici. Florença: Fiorentina 1921. 160, 165. (Grifos dele.)
Dominic Prümmer (1927) “O poder do Romano Pontífice perde-se: …
(c) Por insanidade perpétua ou por heresia formal. E isso no mínimo provavelmente…
Os autores, com efeito, ensinam comumente que um papa perde o seu poder por heresia certa e notória, mas se tem o direito de duvidar acerca de se este caso é ou não é realmente possível.
Baseando-se na suposição, todavia, de que um papa possa cair em heresia como pessoa particular (pois, como papa, ele não poderia errar na fé, pois seria infalível), vários autores elaboraram diferentes respostas acerca de como ele seria, então, privado de seu poder. Nenhuma das respostas, sem embargo, ultrapassa os limites da probabilidade.” Manuale Iuris Canonci. Fribourg in Briesgau: Herder 1927. 95. (Grifos dele.)
F.X. Wernz, P. Vidal (1943) “Por heresia notória e abertamente divulgada, o Romano Pontífice, se cair em heresia, por esse fato mesmo [ipso facto] é considerado privado de seu poder de jurisdição mesmo antes de qualquer sentença declaratória da Igreja…. Um Papa que cai em heresia pública deixaria ipso facto de ser membro da Igreja; logo, ele também deixaria de ser o cabeça da Igreja.” Ius Canonicum. Roma: Gregoriana 1943. 2:453.
Udalricus Beste (1946) “Não poucos canonistas ensinam que, fora da morte e da abdicação, a dignidade pontifícia pode ser perdida também caindo numa certa e insana alienação da mente, que é legalmente equivalente à morte, assim como por heresia manifesta e notória. Neste último caso, um papa cairia automaticamente de seu poder, e isso, com efeito, sem a emissão de nenhuma sentença, pois a primeira Sé [i.e., a Sé de Pedro] não é julgada por ninguém.
A razão disso é que, ao cair em heresia, o papa deixa de ser membro da Igreja. Aquele que não é membro de uma sociedade, obviamente, não tem como ser o cabeça dela. Não logramos encontrar exemplo algum disso na história.” Introductio in Codicem. 3.ª ed. Collegeville: St. John’s Abbey Press 1946. Cânon 221.
A. Vermeersch, I. Creusen (1949) “O poder do Romano Pontífice cessa por morte, livre renúncia (que é válida sem necessidade de qualquer aceitação, c. 221), certa e inquestionável insanidade perpétua, e heresia notória.
Ao menos conforme o ensinamento mais comum, o Romano Pontífice como mestre privado pode cair em heresia manifesta. Aí então, sem nenhuma sentença declaratória (pois a suprema Sé não é julgada por ninguém), ele automaticamente [ipso facto] cairia de um poder que todo aquele que deixou de ser membro da Igreja é incapaz de possuir.” Epitome Iuris Canonici. Roma: Dessain 1949. 340.
Eduardus F. Regatillo (1956) “O Romano Pontífice cessa no ofício: … (4) Por heresia pública notória? Cinco respostas foram dadas:
“1. ‘O papa não tem como ser herege nem sequer como doutor privado.’ Isso é piedoso, mas existe pouco fundamento em seu favor.
“2. ‘O papa perde o ofício mesmo por heresia secreta.’ Falso, pois um herege secreto pode ser membro da Igreja.
“3. ‘O papa não perde o ofício por heresia pública.’ Improvável.
“4. ‘O papa perde o ofício por sentença judicial em razão de heresia pública.’ Mas quem proferiria a sentença? A primeira Sé não é julgada por ninguém (Cânon 1556).
“5. ‘O papa perde o ofício ipso facto em razão de heresia pública.’ Este é o ensinamento mais comum, pois ele não seria membro da Igreja e, assim, menos ainda poderia ser cabeça dela.” Institutiones Iuris Canonici. 5.ª ed. Santander: Sal Terrae, 1956. 1:396. (Grifos dele.)
Apêndice 2
Heresia: O Pecado vs. o Crime
Alguns escritores levantaram a seguinte objeção: Ninguém pode se tornar um verdadeiro herege a não ser que, antes, a autoridade da Igreja o advirta ou admoeste de que ele está rejeitando um dogma. Somente depois disso tem ele a “pertinácia” (teimosia na crença falsa) que se exige para a heresia. Ninguém emitiu advertências aos papas pós-conciliares sobre seus erros, logo eles não são pertinazes. Assim, eles não podem ser verdadeiros hereges.
Esse argumento confunde uma distinção que os canonistas fazem entre dois aspectos da heresia:
(1) Moral: A heresia como pecado (peccatum) contra a lei divina.
(2) Canônico: A heresia como crime (delictum) contra a lei canônica.
A distinção moral/canônico é fácil de apreender aplicando-a ao aborto. Há dois aspectos sob os quais podemos considerar o aborto:
(1) Moral: Pecado contra o 5.º Mandamento que resulta na perda da graça santificante.
(2) Canônico: Crime contra o cânon 2350.1 do Código de Direito Canônico que resulta em excomunhão automática.
Em caso de heresia, as advertências só entram em cena para o crime canônico de heresia. Elas não são necessárias como condição para cometer o pecado de heresia contra a lei divina.
O canonista A. Michel traça a clara distinção para nós: “A pertinácia não inclui necessariamente obstinação prolongada pelo herege e advertências pela Igreja. Uma condição para o pecado de heresia é uma coisa; uma condição para o crime canônico de heresia, punível por leis canônicas, é outra coisa.” (Michel, “Hérésie”, in DTC 6:2222)
É o pecado público de heresia nesse sentido, por parte de um papa, que o despoja da autoridade de Cristo. “Se de fato uma tal situação acontecesse”, disse o canonista Coronata, “ele [o Romano Pontífice] cairia, por lei divina, do ofício sem sentença alguma.” (Ver acima)
Apêndice 3
A Missa Nova veio da Igreja?
Notamos acima que a Missa Nova sendo protestante, irreverente, sacrílega ou, de resto, prejudicial à Fé Católica ou à salvação das almas, ela não tem como vir da autoridade da Igreja, pois a infalibilidade da Igreja se estende às leis disciplinares universais, incluindo as leis litúrgicas. Seguem algumas citações de teólogos explicando esse ensinamento.
O termo “universal” refere-se ao território onde a lei se aplica (por toda parte vs. uma área geográfica limitada), não ao rito (latino vs. oriental). (ver Prümmer, Man. Jus. Can., 4)
A maioria dos teólogos cita o anátema de Trento (também citado aqui) contra quem diz que as cerimônias da Igreja Católica são “incentivos à impiedade”.
“Incentivos à impiedade”, a maioria dos católicos provavelmente concordaria, é provavelmente a melhor descrição em três palavras que se pode encontrar para os ritos e orações do Novus Ordo de Paulo VI. Nada mais fez que erodir a fé, promover o erro e progressivamente esvaziar nossas igrejas. O homem que promulgou um rito desses não tinha como, portanto, ter possuído a autoridade de Pedro.
Concílio de Trento (1562) “Se alguém disser que cerimônias, ornamentos e sinais exteriores que a Igreja Católica utiliza na celebração das Missas são antes incentivos à impiedade que um serviço à piedade: seja anátema.” Cânones sobre a Missa, 17 de setembro de 1562. Denzinger 954.
J. Herrmann (1908) “A Igreja é infalível na sua disciplina geral. Pelo termo disciplina geral entendem-se as leis e práticas que pertencem à ordenação externa da Igreja toda. Tais seriam aquelas coisas que se referem ou ao culto exterior, como a liturgia e as rubricas, ou à administração dos sacramentos, como a Comunhão sob uma espécie…
A Igreja na sua disciplina geral, todavia, é dita infalível no seguinte sentido: que não se pode encontrar nada nas suas leis disciplinares que vá contra a Fé ou os bons costumes, ou que possa tender [vergere] seja ao detrimento da Igreja ou ao prejuízo dos fiéis.
Que a Igreja é infalível na sua disciplina segue-se da própria missão dela. A missão da Igreja é preservar a fé integral e conduzir as pessoas à salvação ensinando-as a preservar tudo o que Cristo ordenou. Mas se ela fosse capaz de prescrever, ordenar ou tolerar na disciplina dela alguma coisa contrária à fé e moral, ou algo que tendesse ao detrimento da Igreja ou ao prejuízo dos fiéis, a Igreja se afastaria de sua missão divina, ou que é impossível.” Institutiones Theologiae Dogmaticae. 4.ª ed. Roma: Della Pace 1908. 1:258.
A. Dorsch (1928) “A Igreja é também, com direito, considerada infalível nos seus decretos disciplinares… Por decretos disciplinares entende-se tudo aquilo que pertence ao governo da Igreja, na medida em que este se distingue do magistério. Faz-se referência aqui, então, às leis eclesiásticas que a Igreja estipulou para a Igreja universal para regrar o culto divino ou para dirigir a vida cristã.” Institutiones Theologiae Fundamentalis. Innsbruck: Rauch 1928. 2:409.
R.M. Schultes (1931) “A Infalibilidade da Igreja ao Estatuir Leis Disciplinares.
As leis disciplinares são definidas como ‘leis eclesiásticas emanadas para dirigir a vida e o culto cristãos.’…
A questão de se a Igreja é ou não é infalível ao promulgar uma lei disciplinar refere-se à substância das leis disciplinares universais; isto é, se estas leis podem ou não ser contrárias a um ensinamento de fé ou costumes, e, assim, prejudicar espiritualmente os fiéis…
Tese. A Igreja, ao estabelecer leis universais, é infalível no que se refere à substância delas.
A Igreja é infalível em questões de fé e moral. Mediante as leis disciplinares, a Igreja ensina sobre questões de fé e moral, não doutrinariamente ou de maneira teórica, mas de modo prático e eficaz. Uma lei disciplinar, portanto, envolve um juízo doutrinal…
A razão, pois, e o fundamento da infalibilidade da Igreja na sua disciplina geral é a íntima conexão que existe entre as verdades de fé ou moral e as leis disciplinares.
A matéria principal das leis disciplinares é a seguinte: a) o culto…”
De Ecclesia Catholica. Paris: Lethielleux 1931. 314-7.
Valentino Zubizarreta (1948) “Corolário II. Na promulgação de leis disciplinares para a Igreja universal, a Igreja é igualmente infalível, de tal maneira que ela nunca legislará algo que contradiga à verdadeira fé ou aos bons costumes.
A disciplina da Igreja é definida como ‘aquela legislação ou conjunto de leis que orientam os homens sobre como cultuar a Deus corretamente e como viver uma boa vida cristã’…
Prova do Corolário. Ficou demonstrado acima que a Igreja se beneficia da infalibilidade naquelas coisas que concernem à fé e a moral, ou que são necessariamente exigidas para a preservação da fé e moral. As leis disciplinares, prescritas pela Igreja universal para cultuar a Deus e corretamente promover uma boa vida cristã, estão implicitamente reveladas em matéria de moral, e são necessárias para preservar a fé e os bons costumes. Logo, o Corolário está provado.”
Theologia Dogmatico-Scholastica. 4.ª ed. Vitoria: El Carmen 1948. 1:486.
Serapius Iragui (1959) “Além daquelas verdades reveladas em si mesmas, o objeto da infalibilidade do magistério inclui outras verdades que, se bem que não reveladas, são todavia necessárias para preservar integralmente o depósito da Fé, para explicá-lo corretamente e eficazmente defini-lo…
D) Decretos Disciplinares. Esses decretos são leis eclesiásticas universais que governam a vida cristã dos homens e o culto divino. Mesmo que a faculdade de estabelecer leis pertença ao poder de jurisdição, sem embargo o poder de magistério é considerado nessas leis sob outro aspecto especial, na medida em que não pode haver nada nessas leis que seja oposto à lei natural ou positiva. Sob esse aspecto, podemos dizer que o julgamento da Igreja é infalível…
1°) Isso é exigido pela natureza e finalidade da infalibilidade, pois a Igreja infalível deve conduzir seus súditos à santificação mediante uma correta exposição da doutrina. Com efeito, se a Igreja em seus decretos universalmente vinculantes impusesse falsa doutrina, por esse fato mesmo os homens seriam desviados da salvação, e ficaria ameaçada a própria natureza da verdadeira Igreja.
Tudo isso, contudo, repugna à prerrogativa da infalibilidade, com que Cristo dotou Sua Igreja. Logo, quando a Igreja estabelece leis disciplinares, ela necessariamente é infalível.” Manuale Theologiae Dogmaticae. Madrid: Ediciones Studium 1959. 1:436, 447.
Joachim Salaverri (1962) “3) Acerca dos decretos disciplinares em geral, que são por sua finalidade [finaliter] conexos com as coisas que Deus revelou.
A. A finalidade do Magistério infalível exige a infalibilidade para os decretos desse tipo….
Especificamente, que a Igreja reivindique para si própria a infalibilidade nos decretos litúrgicos se demonstra pela lei que os Concílios de Constança e de Trento solenemente estatuíram acerca da comunhão eucarística sob uma espécie.
Também se pode provar isso copiosamente por outros decretos, pelos quais o Concílio de Trento confirmou solenemente os ritos e cerimônias empregados na administração dos sacramentos e na celebração da Missa.” Sacrae Theologiae Summa. 5.ª ed. Madrid: BAC 1962. 1: 722, 723.
Apêndice 4
Uma vacância prolongada da Santa Sé
Alguns tradicionalistas apresentaram outra objeção: o Vaticano I ensinou que São Pedro teria “perpétuos sucessores” no Primado. (DZ 1825) Não significa isso que seria impossível a Igreja ficar sem um verdadeiro Papa por um tempo tão longo — desde o Vaticano II, na década de 1960, como você parece dizer?
Não. A definição do Vaticano I se dirigia, na realidade, contra os hereges que ensinavam que o poder especial recebido de Cristo por São Pedro morreu com ele e não foi transmitido aos seus sucessores, os Papas. “Perpétuos sucessores” significa que o ofício do Primado é perpétuo: não limitado a Pedro, mas, sim, “um poder que perdurará perpetuamente até ao fim do mundo.” (Salaverri, de Ecclesia 1:385)
Mas esse ofício papal pode ficar vacante por um longo tempo sem se tornar extinto ou mudar a natureza da Igreja. Eis a explicação:
A. Dorsch (1928) “A Igreja, portanto, é uma sociedade essencialmente monárquica. Mas isso não impede que a Igreja, por um breve intervalo após a morte de um Papa, ou mesmo por muitos anos, permaneça destituída de sua cabeça. A forma monárquica da Igreja permanece intacta também nesse estado…
Assim a Igreja fica, então, realmente um corpo decapitado… Sua forma monárquica de governo permanece, embora então de um modo diferente; isto é, permanece incompleta e a ser completada. A ordenação do todo à submissão ao Primaz dela está presente, muito embora a submissão em ato não esteja…
Por essa razão, é corretamente que se afirma que a Sé de Roma permanece, depois que morre a pessoa que nela se assenta: pois a Sé de Roma consiste essencialmente nas prerrogativas do Primaz. Essas prerrogativas são um elemento essencial e necessário da Igreja. Com elas, ademais, o Primado continua nesse ínterim, ao menos moralmente. Já a perene presença física da pessoa da cabeça, porém, não é da mesma estrita necessidade.” (de Ecclesia 2:196-7).
Apêndice 5
Onde conseguiremos um verdadeiro Papa?
Se os papas pós-Vaticano II não são verdadeiros papas, como poderia a Igreja um dia obter um papa verdadeiro novamente? Eis algumas teorias:
1. Direta Intervenção Divina. Esse cenário encontra-se nos escritos de alguns místicos aprovados.
2. A Tese Material/Formal. Sustenta esta que, se um papa pós-Vaticano II renunciasse publicamente às heresias da Igreja Pós-Conciliar, ele automaticamente se tornaria um verdadeiro papa.
3. Um Concílio Geral Imperfeito. O teólogo Caetano (1469–1534) e outros ensinam que, se o Colégio dos Cardeais ficasse extinto, o direito de eleger um Papa passaria para o clero de Roma, e depois para a Igreja universal. (de Comparatione 13, 742, 745)
Cada uma dessas teorias parece apresentar algumas dificuldades. Mas isso não deve surpreender, pois a solução exata de um problema incomum na Igreja nem sempre pode ser prevista de antemão.
Pode-se ver isto pelo seguinte comentário na Catholic Encyclopedia de 1913: “Não existe nenhuma provisão canônica que regule a autoridade do Colégio dos Cardeais sede Romana impedita, i.e. em caso de o papa ficar insano, ou pessoalmente herege; em casos tais, seria necessário consultar os ditames da reta razão e os ensinamentos da história.” (“Cardinal”, CE 3:339)
Além disso, uma incapacidade no presente de determinar exatamente como outro verdadeiro papa seria escolhido no futuro não transforma, de algum modo, Paulo VI e sucessores em verdadeiros papas “por tabela”.
Nem altera aquilo que nós já sabemos: que os papas pós-conciliares promulgaram erros, heresias e leis más; que um herege não tem como ser papa; e que promulgar leis más é incompatível com possuir a autoridade de Jesus Cristo.
Insistir, apesar disso, que os papas pós-conciliares têm que ser verdadeiros papas cria um problema insolúvel para a indefectibilidade da Igreja — os representantes de Cristo ensinam o erro e dão o mal.
Enquanto que uma longa vacância da Santa Sé, como se observou no Apêndice 4, não é contrária à indefectibilidade ou à natureza da Igreja.
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