Resposta às objeções dos que negam que a eleição ao papado de um herege público seja inválida por lei divinaResposta às objeções dos que negam que a eleição ao papado de um herege público seja inválida por lei divina

Prova da vacância da Sé desde 1958:

Premissa Maior: A eleição ao papado de um herege público é inválida por lei divina.

Premissa Menor: Os supostos cardeais eleitos ao papado a partir da morte do Papa Pio XII em 1958, desde Ângelo Roncalli (João XXIII) até Jorge Mario Bergoglio (Francisco), eram hereges públicos.

Conclusão: Logo, a partir da morte do Papa Pio XII, as eleições papais têm sido inválidas, razão por que a Sé está vacante desde 1958.

Neste artigo, responderemos às objeções dos que negam a premissa maior. Quanto às objeções à premissa menor, responderemos em outro artigo e, portanto, ficará subentendido – neste artigo – que ela não é objetada nem posta em dúvida pelas objeções expostas abaixo.

Porém, antes de expor as objeções e as soluções aos problemas suscitados por tais objeções, convém expor uma brevíssima explicação da premissa maior.

Explicação da Premissa Maior: Que a eleição de um herege público seja inválida por lei divina é um ensinamento unânime dos teólogos da Santa Igreja, conforme expusemos em outro artigo com as citações de diversos teólogos. Esse ensinamento certíssimo se dá, pelo menos, por estes quatro motivos: 1º) pelo que podemos chamar de cláusula de catolicidade1; 2º) pela natureza do ofício papal2; 3º) pelo que estabeleceu a Santa Igreja com relação à eleição papal de um herege3; 4º) pelos casos históricos em que hereges foram eleitos ao papado4.

Índice das Objeções

PRIMEIRA OBJEÇÃO: O PAPA PIO XII LEVANTA TODAS AS EXCOMUNHÕES PARA O CONCLAVE

Objeção: O Papa Pio XII estabeleceu: “Nenhum Cardeal, à pretexto ou em razão de qualquer excomunhão, suspensão, interdito ou outro qualquer impedimento eclesiástico, pode ser excluído de qualquer maneira da eleição ativa e passiva de Sumo Pontífice. Além disso, suspendemos tais censuras apenas para efeito da eleição papal, ainda que, para outros efeitos, sejam mantidas”5. Logo, contrariamente ao que o sedevacantismo sustenta, um herege poderia ser eleito Papa em virtude da Constituição do Papa Pio XII.

Solução: O Padre Anthony Cekada, que foi professor de Direito Canônico, solucionou essa objeção: “O parágrafo 34 da Vacantis Apostolicae Sedis suspende os efeitos das censuras (excomunhão, suspensão, interdição) e outros impedimentos eclesiásticos (por exemplo, infâmia legal) para os cardeais que estão elegendo o papa e para o cardeal que venha a ser eleito. Portanto, um cardeal que tenha incorrido em uma excomunhão antes de sua eleição como papa seria, ainda assim, eleito validamente. Contudo, esta lei só concerne aos impedimentos da lei eclesiástica. Com tal, ela não pode ser invocada como argumento contra o sedevacantismo, que se baseia nos ensinamentos dos canonistas pré-Vaticano II de que a heresia é um impedimento da lei divina ao recebimento do papado”6.

TRÉPLICA À SOLUÇÃO DA PRIMEIRA OBJEÇÃO: O PAPA PIO XII TERIA ENTÃO LEGISLADO CONTRA UMA LEI DIVINA

Tréplica: Se há uma lei divina que impede um herege de tornar-se Papa, então o Papa Pio XII legislou contra tal lei divina ao suspender todas as excomunhões.

Solução à tréplica: Em primeiro lugar, há que ter em conta se pode incorrer em excomunhão por muitas causas. Antigamente, as excomunhões se distinguiam em menor e maior7. Diferentemente de uma maior, uma excomunhão menor não separava o excomungado da Igreja, mas proibia sua participação na vida sacramental da Igreja, que é o que aconteceria caso se violasse um segredo do Santo Ofício, falsificasse relíquias, violasse um claustro, etc. Apesar dessa distinção não ser mais feita8, devemos crer que o Papa Pio XII não tinha em mente uma excomunhão como a heresia, mas simplesmente excomunhões mais leves que, embora tenham sua gravidade, não justificariam um possível cisma ou uma grave cisão entre os Cardeais, que o Papa Pio XII quis evitar. A suspensão de todas as excomunhões eclesiásticas para a eleição papal, devido a um tal preocupação, não é uma decisão nova, já foi feita pelos Papas Clemente V9, Pio IV10 e Gregório XV11, mas, como mencionou Monsenhor Henrico Pezzani ao comentar a invalidade da eleição de um herege conforme a lei eclesiástica vigente em sua época, o próprio Papa Pio IV havia esclarecido que essas Constituições, emitidas com o objetivo de evitar a possibilidade de uma cisão ou cisma, devem ser entendidas de tal modo que sejam excetuado o caso de heresia ou desvio da fé católica12.

SEGUNDA OBJEÇÃO: OS TEÓLOGOS SE REFEREM A UM HEREGE SENTENCIADO, TAL COMO FEZ O PAPA PAULO IV

Objeção: Na Bula Cum Ex Apostolatus Officio, o Papa Paulo IV, ao decretar que a eleição de um herege é inválida em si mesma, tinha em vista um herege sentenciado, donde se infere que os teólogos se referem ao mesmo tipo de herege, logo não é certo afirmar que um herege público, por ser tal, não pode ser eleito validamente, pois pode se tratar de um herege público não-sentenciado.13

Solução: O contexto histórico da promulgação da referida Bula demonstra que Paulo IV queria precaver a Santa Igreja impossibilitando – pelo direito eclesiástico – a eleição de um Cardeal infiel, como quase aconteceu no conclave em que ele foi eleito papa14, no qual o Cardeal Moroni – suspeito de heresia e sem sentença eclesiástica – poderia ter sido eleito se não tivesse sido, junto com outros Cardeais suspeitos, denunciado energicamente pelo prefeito do Santo Ofício da Inquisição, o Cardeal Carafa, que foi eleito papa sob o nome de Paulo IV, de modo que contra o Cardeal Moroni se desenvolveu depois um processo de crime canônico, a fim de investigá-lo e puni-lo juridicamente15. Portanto, não há fundamento em afirmar que a Bula Cum Ex se refere a um herege sentenciado, como se um Papa pudesse em bom senso colocar um herege sentenciado como tal, afinal, da mesma forma que a Bula exclui a possibilidade um herege de ser validamente eleito papa, também exclui a de um suspeito de heresia16, que é suspeito justamente por não ter sido investigado, provado e sentenciado como herege.

TERCEIRA OBJEÇÃO: OS CANONISTAS SE REFEREM A UM HEREGE SENTENCIADO

Objeção: Os canonistas, que constituem a maioria desses teólogos que afirmam que a eleição de um herege público é inválida por lei divina, falam exatamente como o que são, canonistas, e, portanto, discorrem sobre aqueles que são legalmente declarados hereges, ao invés de hereges não declarados que são membros legais da Igreja Católica.17

Solução: O Padre Anthony Cekada solucionou também essa objeção:** “Esse argumento confunde a distinção que os canonistas fazem entre dois aspectos da heresia: 1) Moral: Heresia enquanto um pecado (peccatum) contra a lei divina. 2) Canônico: Heresia enquanto um crime (delictum) contra a lei canônica. Essa distinção é fácil de compreender quando se aplica ao caso do aborto. Podemos considerar o aborto sob dois aspectos: 1) Moral: Pecado contra o 5º Mandamento que resulta em perda da graça santificante. 2) Canônico: Crime contra o cânone 2350, § 1º, do Código de Direito Canônico, que resulta em excomunhão automática. No caso da heresia, advertências somente entram em jogo para o crime canônico de heresia. Essas advertências não são obrigatórias para que se cometa o pecado de heresia contra a lei divina. O canonista Michel nos dá uma clara distinção: ‘Pertinácia não inclui, necessariamente, longa obstinação do herege e advertências da Igreja. Uma coisa é a condição para o pecado de heresia; outra é a condição para o crime canônico de heresia, punível pela lei canônica’ (Michel, ‘Hérésie’, in DTC 6:2222). É o pecado público de heresia que despoja o papa da autoridade de Cristo. ‘Se uma situação assim acontecesse’, disse o canonista Coronata, ‘ele (o Romano Pontífice) iria, por lei divina, cair do seu ofício sem nenhuma declaração’1819. Donde fica evidente que os canonistas, quando falam que a eleição ao papado de um herege público é inválida por lei divina, referem-se ao herege na realidade factual, ou de facto, e não na jurídica, de iure, do contrário ensinariam que tal eleição seria inválida por – ou em virtude da – lei eclesiástica.

TRÉPLICA À SOLUÇÃO DA TERCEIRA OBJEÇÃO: O HEREGE NÃO-SENTENCIADO NÃO É VERDADEIRAMENTE HEREGE

Tréplica: Ora, distingue-se o herege formal, que seria o que foi sentenciado, do herege material, que seria o que não foi sentenciado. Como afirmam os teólogos, o herege material não é propriamente um herege, mas alguém que está no erro, um errante, logo ninguém é verdadeiramente herege sem que antes tenha sido sentenciado como tal pela Igreja.

Solução à tréplica: Essa objeção confunde diferentes sentidos que se pode aplicar dessa distinção entre herege formal e material. Além do sentido exposto na objeção, em que o formal é o herege de iure e o material o herege de facto, é mais comum o sentido em que o herege formal seria aquele que tem conhecimento de alguma verdade de fé que a Igreja propõe e ainda assim escolhe com pertinácia ou teimosia em não aderir tal verdade de fé20, e o herege material seria aquele que contradiz sem pertinácia ou teimosia alguma verdade de fé proposta pela Igreja, de modo que o herege material não pode ser definido como herege, razão por que é tido como errante e não propriamente herege21. São duas maneiras diferentes de usar essa analogia de matéria e forma aplicada a um herege que não podem ser confundidas, como acontece às vezes na internet por pessoas que não são capazes de distinguir bem as coisas e assim erram ou se confundem nos princípios mais básicos. Além disso, como demonstrado na solução à terceira objeção, é possível ser verdadeiramente herege e incorrer em excomunhão sem uma sentença individual da Igreja, pois basta ser herege para incorrer nas excomunhões “ipso facto22, cujo efeito real e automático se dá em virtude do próprio fato, e a Igreja já condenou a proposição que afirma que, para a sentença “ipso facto” ter efeito real, torna-se necessário antes um exame pessoa ou individual: “De igual modo, a proposição que ensina que é necessário, de acordo com as leis natural e divina, tanto para excomunhão ou para suspensão, que um exame pessoal deveria se preceder, e que, portanto, sentenças chamadas ‘ipso facto’ não têm qualquer outra força senão a de uma séria ameaça sem qualquer efeito real, – é falsa, precipitada, perniciosa, injuriosa ao poder da Igreja, errônea”23.

QUARTA OBJEÇÃO: NÃO É DITO NO DIREITO CANÔNICO QUE HÁ TAL LEI DIVINA

Objeção: No Código de Direito Canônico não é reconhecido a existência de uma lei divina que impediria um herege de ser eleito papa, logo essa suposta lei divina não possui força de lei.24

Solução: No Código de Direito Canônico é dito que mesmo que uma lei divina não esteja nele expressa, explícita ou implicitamente, ela ainda assim mantém seu vigor: “Entre as outras leis disciplinares atualmente em vigor, caso não estejam contidas explícita ou implicitamente no Código, deve ser dito que perderam sua força, a menos que sejam repetidas em livros litúrgicos, ou a menos que a lei seja de lei divina, seja ela positiva ou natural25.

QUINTA OBJEÇÃO: PODE HAVER UMA CONCESSÃO DE UMA PROIBIÇÃO DE LEI DIVINA, TAL COMO EVIDENCIA O PAPA SÃO PIO X

Objeção: O Papa São Pio X, com sua Constituição Vacante Sede Apostolica de 1904, para evitar um mal maior, como um cisma, ab-rogou a invalidez da eleição simoníaca que – como afirma o Papa Júlio II em sua Constituição Cum tam divino de 1505 – é proibida pela lei divina. Se algo proibido por lei divina pode ser ab-rogado pela Igreja, com seu poder das Chaves, então um impedimento de lei divina, como o é a heresia, não é absoluto e seu vigor está a critério da Igreja. Portanto, provado que possa haver uma concessão de uma proibição de lei divina, é razoável crer que possa haver – por parte da Igreja – alguma concessão presumida da lei divina que impede um herege de ser eleito validamente ao papado, ao menos para o caso em que, se tal eleição fosse inválida, resultasse em um mal ainda maior, como uma longa vacância ou um grande cisma.

Solução: É certo que a simonia, assim como a heresia, é expressa e gravemente proibida pela lei divina em se tratando da eleição papal, mas isso não implica que a simonia pudesse invalidar a eleição papal pela lei divina, como o pode a heresia. Algo ser “proibido pela lei divina” não é o mesmo que ser “invalidante pela lei divina”, do contrário qualquer pecado proibido pelo Decálogo invalidaria a princípio a eleição papal. A simonia era invalidante pela lei eclesiástica, como demonstra o Padre Cappello: “Havia uma controvérsia entre teólogos e canonistas sobre se a simonia torna a eleição do Romano Pontífice inválida pela lei natural, lei positiva ou apenas eclesiástica. A lei natural de forma alguma estabelece a nulidade da eleição (por simonia, N. do T.). A lei divina positiva proíbe absolutamente a eleição simoníaca sob qualquer forma, mas, no entanto, em nenhum lugar decreta que ela seja inválida. Portanto, a invalidade da eleição (por simonia, instituída pelo Papa Júlio II, N. do T.) só pode ser derivada da lei eclesiástica. Hoje, além disso, não há lugar para dúvidas após a Constituição de Pio X (que ab-rogou tal lei do Papa Júlio II, N. do T.)”26. Donde concluiu o Padre Cappello: “Retirada por Pio X a nulidade da eleição simoníaca instituída por Júlio II, dizemos em geral que se requer que o eleito não seja retido por nenhum impedimento de direito divino e natural. Em particular, para ser válido, é necessário ser eleito um a) homem, b) senhor de si, c) membro da Igreja. […] Um membro da Igreja, pois o Pontífice, em virtude de seu ofício, é a cabeça e o centro eclesiástico de toda a Igreja, de cuja jurisdição só podem ser participantes os que já estão unidos ao corpo de Cristo. Portanto, os infiéis ou eleitos não batizados não são válidos em nenhuma circunstância”27. Logo, não há razão para se crer que a Igreja possa legislar uma concessão a uma proibição de uma lei divina que, no caso da eleição ao papado, é também invalidante, como o é a heresia, independemente se disso resultasse em um grande mal, como uma longa vacância ou um grande cisma.

SEXTA OBJEÇÃO: A HERESIA COMO IMPEDIMENTO DE LEI DIVINA É UMA QUESTÃO LIVRE

Objeção: Disse o Padre Passerini, O.P.: “A eleição de um herege não é – pela lei divina – inválida por esse mesmo fato, mas pode ser invalidada, se o eleito não estiver disposto a ser corrigido. Portanto, para invalidar tal eleição, a decisão da Igreja é necessária”28. Como há teólogo que discorda que a heresia é por si um impedimento de lei divina e o Magistério da Igreja nada estabeleceu sobre isso, logo trata-se de uma questão livre.

Solução: O Padre Passerini, O.P., argumenta assim por estender certos argumentos do Cardeal Caetano e, portanto, acabou sustentando que a Igreja deveria sentenciar o eleito ao papado para que este seja privado de seu ofício papal29, de modo que o herege público, eleito validamente segundo as leis eclesiásticas, seria ainda assim papa, até que fosse julgado pela Igreja. Trata-se de argumentos para duas situações distintas: a do papa que – enquanto doutor privado – incorreu publicamente em heresia e a do herege público que foi eleito ao papado. Conquanto defenda que, para a perda do pontificado, seja necessária uma sentença contra o papa que – enquanto doutor privado – incorreu publicamente em heresia, o Cardeal Caetano, por outro lado, admite com os demais teólogos a impossibilidade de um herege público ser validamente eleito papa30. A argumentação que sustenta uma necessidade de uma decisão da Igreja, contra aquele que ocupa de iure a Sé Apostólica, foi cabalmente refutada por São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja, ao demonstrar o porquê um herege público não pode ser papa de modo algum31, o que exclui – a fortiori – a possibilidade do herege público ser eleito validamente papa. Ainda que se concedesse, a fins argumentativos, que a opinião do Padre Passerini pudesse ser verdadeira, seria insustentável mantê-la na situação em questão, uma vez que os hereges públicos eleitos após a morte de Pio XII não foram simplesmente hereges públicos enquanto doutores privados, isto é, enquanto exerciam o magistério privado deles32, mas sim como doutor de todos os cristãos, isto é, enquanto exercia seu magistério papal, como quando ensinaram alguma heresia numa Encíclica dirigida à Igreja universal33. A defesa – de uma posição semelhante à do Padre Passerini de que a eleição de um herege público pode não ser por si inválida por lei divina – pode ser feita somente conforme o explicado pelo célebre canonista Cappello ao responder à questão se hereges, cismáticos ou excomungados podem ser eleitos papa: “Hereges e cismáticos não podem ser validamente eleitos34, pois não são – propriamente falando – membros da Igreja. Eles estão de fato sujeitos à Igreja pelo próprio fato de terem sido lavados pela água do batismo, mas estão fora do corpo místico de Cristo por causa da culpa de heresia ou cisma. No entanto, esta doutrina deve ser entendida de tal forma que o eleito permaneça em heresia mesmo após a nomeação; pois se, depois dela, a heresia ou o cisma se afastarem, sem dúvida pensamos que a eleição será válida”35, de modo que uma pretensa declaração por parte da Igreja contra o eleito não seja necessária para invalidar sua eleição, bastando o fato do eleito permanecer na heresia para que a eleição seja considera inválida. Assim, se aplicada essa doutrina sustentada pelo Padre Cappello, e no sentido que ele a expõe, segue-se que devemos ainda assim tomar como inválidas as pretensas eleições papais posteriores a morte do Papa Pio XII. Além disso, o Magistério da Igreja estabeleceu que quando há dúvida sobre uma determinada lei, deve-se seguir, dentre outras coisas, o que foi estabelecido em um caso semelhante e a sentença comum e constante dos teólogos36, assim devemos ter em conta a Bula Cum Ex Apostolatus Officio do Papa Paulo IV, que determina a invalidez da eleição de um herege, e a sentença comum e constante dos canonistas, que, tomando a heresia pública como causa de impedimento por lei divina, são contrárias à sentença do Padre Passerini.

SÉTIMA OBJEÇÃO: O ESPÍRITO SANTO TERIA SE ENGANADO AO ESCOLHER O PAPA

Objeção: Se o eleito ao papado pudesse ser herético, seguir-se-ia que o próprio Espírito Santo teria se enganado, uma vez que é o Espírito Santo que escolhe o Papa. Portanto, contestar o eleito ao papado é o mesmo que contestar a Deus que o escolhe, o que é absurdo.37

Solução: Por tudo que fui discutido acima, fica evidentíssimo que os escritores católicos, aprovados pela Igreja, sempre consideraram possível que a eleição papal fosse defeituosa em razão de um defeito do eleito, inclusive defeito por heresia, e essa possibilidade é confirmada por vários Papas, como se prova, por exemplo, pelo que foi dito do Papa Pio IV ou pelo Papa São Pio V, que ratificou a referida Bula de Paulo IV38, Cum Ex Apostolatus Officio, que julga por nula a eleição de um herege ao papado ainda que ele fosse aceito por todos os Cardeais e governasse por um tempo indeterminado. Portanto, erram gravemente os que pensam ou afirmam que o Espírito Santo sempre escolhe ou elege o Papa.

Notas

  1. “A cláusula de catolicidade [N.T.: a condição de ser católico ou ter a fé católica] que regula os conclaves é uma lei de direito divino. Nosso Senhor deu o exemplo: antes de pôr São Pedro à frente da Igreja, Ele pediu-lhe primeiro que fizesse a sua profissão de fé. Somente depois de ter verificado a ortodoxia do ‘papável’ é que Cristo o designa como a pedra de fundamento da Igreja. ‘Jesus disse-lhes: E vós quem dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo. E, respondendo Jesus, disse lhe: Bem-aventurado és, Simão Bar-Jona, porque não foi a carne e o sangue que to revelou, mas meu Pai que está nos céus. E eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (Mateus XVI, 15-18). Que a cláusula de catolicidade para candidatos à tiara papal seja uma lei de direito divino, foi bem enfatizado pelo jesuíta espanhol Francisco Suárez. (1548-1617). Suárez foi um célebre como filósofo, teólogo e jurista. Tendo mostrado, com base em passagens da Escritura, que a fé é o fundamento da Igreja, Suárez escreve: ‘Por isso, se a fé é o fundamento da Igreja, é também o fundamento do pontificado e da ordem hierárquica da Igreja. Isso é confirmado pelo fato de que essa é a razão dada para explicar o porquê Cristo exigiu uma profissão de fé de São Pedro antes de prometer-lhe o papado (Mateus XVI, 13-20)’ (Francisco Suárez: De fide, disputatio X, seção VI, nº 2, em: Opera omnia, Paris, 1858, t. XII, pág. 316)” (em Mistério da Iniqüidade, disponível em: http://virgo-maria.org/). 
  2. Pois o Pontífice, em virtude de seu ofício, é a cabeça e o centro eclesiástico de toda a Igreja, de cuja jurisdição só podem ser participantes os que já estão unidos ao Corpo de Cristo. Portanto, os infiéis ou não batizados não são validamente eleitos [N.T.: ao papado] de maneira nenhuma” (Felix M. Cappello, S.J., De Curia Romana, vol. II, 1912, pag. 434). 
  3. Veja o que foi dito em resposta à quinta objeção. 
  4. “Por vezes, nossos pais na fé contestaram a eleição de um ou outro papa falso. A história eclesiástica é tão rica em ensinamentos! Na época do cristianismo primitivo, os Padres da Igreja são unânimes quanto a radical incompatibilidade entre a heresia e o pontificado soberano. Exemplo: o Antipapa Novaciano, que era cismático e herético, foi declarado deposto do clericato por São Cipriano. ‘Ele não pode ter o episcopado, e, se ele foi primeiramente bispo, ele se separou (por sua heresia) do corpo episcopal de seus irmãos e da unidade da Igreja’ (São Cipriano: livro IV, epístola 2). Na Idade Média, o modo seguido pelos católicos foi o seguinte: não depor um papa, mas contestar a validade da eleição de um antipapa intruso. O historiador alemão Zimmermann, tendo analisado um a um os depoimentos dos sucessivos antipapas, resume assim os princípios do processo: ‘Parecia perfeitamente legítimo afastar tal herege da sua posição usurpada e ignorar, neste caso, a máxima jurídica ‘a primeira Sé não é julgada por ninguém’. O que se tirava de tal papa, só era tirado dele na aparência, pois na realidade ele nunca o possuiu; é por isso que seu pontificado foi ilegítimo desde o início e ele mesmo era considerado um invasor da Santa Sé. Nas fontes sobre as deposições dos papas, pode-se ler – ainda mais frequentemente do que a suspeita de simonia, e sem dúvida não por acaso – a acusação de usurpação (invasio), o que punha em dúvida um pontificado em sua raiz, uma vez que se exprimia assim que o referido acusado nunca tinha sido um ocupante legitimamente da ‘primeira Sé’ ou nunca teria tido o direito de se considerar como tal. Por isso a palavra ‘invasio’ reaparece regularmente nas fontes, como termo técnico para um pontificado que deve ser considerado ilegítimo’ (Harald Zimmermann: Papstabsetzungen des Mittelalters, Graz, Viena e Colônia 1968, p. 175). A mesma observação é feita no Dicionário de teologia católica (item ‘deposição’): quando privavam os antipapas cismáticos de seus cargos, eles não eram depostos do pontificado, mas, nuance importante, um pontificado que nunca tinham possuído desde o início era-lhes retirado. ‘Na verdade, os papas cismáticos foram tratados simplesmente como usurpadores e despossuídos de uma sé que não possuíam legitimamente (cf. O decreto contra as simonias do Concílio de Roma de 1059, Hardouin, t. VI, col. 1064; Gratien, dist. LXXIX, c. 9; Gregório XV: Constituição Aeterni Patris (1621), sect. XIX, Bullarium romanum, t. III, p. 446). Os concílios que os infligiram nada mais fizeram do que examinar seu direito à tiara. Não julgaram os papas, mas sim a eleição e o ato dos eleitores” (em Mistério da Iniqüidade, disponível em: http://virgo-maria.org/). 
  5. Constituição Apostólica Vacantis Apostolicae Sedis, § 34. 
  6. Cf. “Um cardeal excomungado pode ser eleito ao papado?”, pelo Padre Anthony Cekada. Disponível em: https://seminariosaojose.org/artigos/um-cardeal-excomungado-pode-ser-eleito-ao-papado 
  7. Por exemplo, lê-se na Encíclica Ex quo primum do Papa Bento XIV: “Além disso, os hereges e cismáticos estão submetidos à censura da excomunhão maior pela lei do Can. de Ligu. 23, quest. 5, e do Can. Nulli, 5, dist. 19” (The Papal Encyclicals, vol. 1, 1740-1878, p. 84). 
  8. Pelo menos desde a Constituição Apostolicae Sedis Moderationi do Papa Pio IX (cf. The Constitution “Apostolicae Sedis Moderationi” explained by the Rev. Thomas J. Carr, 1879). 
  9. Concílio de Vienne em 1311 (cap. Ne Romani, 2, de elect. Ex Clement). 
  10. Constituição In eligendis de 1562. 
  11. Constituição Aeterni Patris de 1621. 
  12. Cf. D. Henrici Mariae Pezzani, Codex Sanctae Catholicae Romanae Ecclesiae cum notis, Romae – Mediolani, MDCCCXCIII (1893), pp. 66-68. Trecho disponível em: https://www.ultramontes.pl/pezzani_codex.htm 
  13. A próxima objeção chega na mesma conclusão que essa, mas através de fundamentos mais sólidos, e por isso também deixaremos de responder à conclusão de ambas na solução da próxima objeção. Contra essa objeção em questão feita alhures, convém aqui apenas demonstrar a falsidade da afirmação de que o Papa Paulo IV se referia a um herege sentenciado, afinal, como se verá pela solução à última objeção, a definição da Bula Cum Ex é útil ao debate justamente por convergir para aquela mesma sentença unânime e constantes dos teólogos, na qual se fundamenta teologicamente a posição católica, dita sedevacantista. 
  14. O próprio Papa Paulo IV assim o confessou a um de seus próximos: “Para vos dizer a verdade, nós quisemos opor-nos aos perigos que ameaçavam o último conclave e adotar, durante a nossa vida, as precauções para que o diabo, no futuro, não coloque um dos seus na Sé de São Pedro” (Louis Pastor, Histoire des papes depuis la fin du Moyen Âge, Paris, 1932, t. XIV, p. 234). 
  15. Cf. Massimo Firpo, Inquisizione romana e Controriforma. Studi sul cardinal Giovanni Morone e il suo processo di eresia, Bologne, 1992. 
  16. Cf. Bula Cum Ex Apostolatus Officio de 15 de fevereiro de 1559, § 6. 
  17. Essa é uma objeção extraída – não ipsis litteris – do artigo “A Refutation of the Arguments of the Clergy of St. Gertrude the Great, escrito pelo leigo Frankie Logue e publicado no site do “Most Holy Trinity Seminary” de Dom Sanborn. 
  18. Instituitiones Iuris Canonici, Rome: Marietti 1950, 1:316. 
  19. cf. “Tradicionalistas, Infalibilidade e o Papa”, pelo Padre Anthony Cekada. Disponível em: zelanti.net/posts/tradicionalistas-infalibilidade-e-o-papa 
  20. Assim, trata-se propriamente de um herege, cuja definição se confunde com a de “herege”, que se encontra no Direito Canônico de 1917: “Se alguém, após a recepção do Batismo, retendo o nome de cristão, nega com pertinácia uma das verdades a crer de fé divina e católica ou a põe em dúvida, é herege” (Cânone 1325, § 2). Outras definições com relação ao herege serão expostas em um outro artigo. 
  21. “…se não for pertinaz, mas pronto a corrigir o seu juízo segundo o que determina a Igreja, e se assim erra não por malícia, mas por ignorância, ele não é herege” (Santo Tomás de Aquino, ao comentar a Epístola de São Paulo a Tito, 3, 10-11). Por isso o Cardeal Billot rejeita que os chamem de “hereges materiais” e defende que devem ser tidos meramente como quem comete um erro de fato em relação àquilo que ensina a regra da fé, ou seja, o Magistério da Igreja (cf. Tractatus De Ecclesia Christi, t. I, 3a edição, páginas 292-293). 
  22. “Todos os apóstatas da fé cristã, todos os hereges ou cismáticos e cada um deles: 1° incorrem, pelo mesmo fato [ipso facto], em excomunhão” (Código de Direito Canônico de 1917, cânone 2314, § 1). 
  23. Denzinger, n. 1547. 
  24. Essa foi uma objeção feita por um Padre adepto da Tese de Cassiciacum. 
  25. Código de Direito Canônico de 1917, cânone 6, 6. 
  26. “Controvertitur inter theologos et canonistas utrum simonía iure naturali, vel divino positivo, aut ecclesiastico tantum, invalidam efficiat electionem Romani Pontificis. Ius naturale haudquaquam statuit electionis nullitatem. Ius divino positivum absolute prohibet simoniacam electionem quavis sub specie, at nihilominus invalidam eam esse nullibi decernit. Proinde electionis invaliditas nonnisi ex iure ecclesiastico repetenda est. Hodie porro nullus datur ambigendi locus post Constitutionem Pii X” – Félix M. Cappello, De Curia Romana iuxta reformat, vol. II, 1912, pg. 484 
  27. ibidem, pg. 434 
  28. Passerini O.P., Tractatus de Electione Summi Ponticis, Cap. XXXII n. 6. 
  29. Unde ad talem electionem irritandam necessaria est Ecclesia sententia” [Portanto, para invalidar tal eleição, é necessária uma sentença da Igreja] (Passerini O.P., ibidem). 
  30. Cf. De auctoritate…, cap. 26, n. 382, p. 167-168. 
  31. Cf. De Romano Pontifice, lib. II, cap. XXX. 
  32. É tão-somente nesse caso, de falando como doutor privado ou pessoa particular, que os teólogos discutiram sobre o que aconteceria se o papa se encontrasse desviado na fé, o que não é o caso dos falsos papas modernistas que usurparam a Cátedra de São Pedro após a morte do Papa Pio XII, como pretendo explicar mais detidamente em outro artigo. 
  33. A partir dessa concessão – que não pode ser concedida senão a fins argumentativos – tentariam se sustentar tanto a posição sedeprivacionista, baseada na “Tese de Cassiciacum” do Bispo Guérard des Lauriers, quanto a posição do Padre Álvaro Calderón, que, apesar de ser Padre da Fraternidade São Pio X (FSSPX), não é a mesma seguida pela FSSPX – nem na teoria e menos ainda na prática – e tampouco é seguida pela chamada Resistência de Dom Williamson. Ambas as posições, do sedeprivacionismo e do Padre Calderón, reduzem o Magistério conciliar, começado a partir de pelo menos o Concílio Vaticano II, a um magistério de caráter doutrinal completamente nulo, ou seja, tudo que ensinam não há legitimidade e nem valor magisterial, conquanto as ambas posições concedem alguma legitimidade ao Magistério conciliar, ao menos em seu poder de governo. Enfim, os problemas dessas duas posições serão tratados de maneira mais conveniente em outros artigos. 
  34. Notemos que o Padre Cappello, em sua resposta, refere-se tão-somente aos cismáticos e hereges, que ipso facto estão excomungados, pois ele não poderia dizer o mesmo dos “excomungados” que também foram objetos da questão, pois, como já se disse, há causas de outras excomunhões eclesiásticas que por sua natureza são toleráveis até em um eleito ao papado, razão pela qual os Papas costumam suspendê-las para uma eleição papal, a fim de que não causem um mal maior, conforme exposto na solução à tréplica da primeira objeção. 
  35. “3. Num haereticus vel schismaticus aut excommunicatus eligi possit. — Haeretici et schismatici valide nullatenus eligi valent, cum membra Ecclesiae vero proprioque sensu non sint. Sunt quidem Ecclesiae subditi eo ipso quod baptismatis aqua abluti fuerunt, at nihilominus versantur extra mysticum Christi corpus ob haeresis seu schismatis reatum. Haec tamen doctrina sic est intelligenda ut electus in haeresi maneat etiam post nominationem; nam si, ea facta, haeresim seu schisma abiuret, indubie putamus electionem validam fore” (Felix M. Cappello, S.J., De Curia Romana, vol. II, 1912, pg. 436). 
  36. “Salvo se tratar-se de aplicação de sanção, se sobre determinada matéria faltar a prescrição expressa de lei, geral ou particular, supõe-se a norma de leis estabelecidas em casos análogos, dos princípios gerais do direito observados com equidade canônica, do estilo e prática da Cúria Romana, e das opiniões [ou sentenças] comuns e constantes dos doutores” (Código de Direito Canônico, cânone 20). 
  37. Essa famosa e infundada objeção geralmente é feita por modernistas, progressistas e conservadores, e contra ela até mesmo o pretenso Cardeal Ratzinger e futuro “Papa Bento XVI”, então como prefeito para a “Doutrina da Fé” em 1997, negou que fosse assim. 
  38. “Da nossa própria vontade, do conhecimento certo e na plenitude do nosso poder apostólico […], a respeito da Constituição de Paulo IV, […] dada em 15 de fevereiro de 1559, nós renovamos o seu conteúdo neste momento, e mais uma vez a confirmamos. E nós queremos e ordenamos que ela seja observada inviolavelmente e com o maior cuidado, segundo a sua sequência e o seu conteúdo” (Papa São Pio V, Motu Proprio Inter multiplices curas, 21 de dezembro de 1566). 
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