Extraído de uma edição de 1935 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1
É significativo o fato de a Igreja Católica celebrar a festa do Apóstolo São Tomé no dia 21 de dezembro, isto é, antes do Nascimento de Jesus Cristo. É como se São Tomé tivesse de preparar o espírito dos fiéis, para dispô-los a acreditarem naquele Deus que, ainda oculto, estás prestes a aparecer no silêncio da noite. Entre os Apóstolos, é São Tomé o único que exigiu provas irrefutáveis para crer na Ressurreição do Divino Mestre. Não nos é lícito censurar a atitude enérgica e resoluta do Apóstolo, quando disse aos companheiros do Colégio Apostólico: “Enquanto eu não vir nas suas mãos a abertura dos cravos, e não meter o meu dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, não hei de crer” (João XX, 25). A esta reserva, a esta precaução, digamos mesmo incredulidade, devemos uma das provas mais claras e convincentes da Ressurreição de Jesus Cristo.
Tomé, cognominado Dídimo, isto é, gêmeo, era natural da Galileia e como alguns outros Apóstolos, pobre pescador. Escolhido pelo Divino Mestre e por ele admitido ao Colégio dos doze Apóstolos, Tomé sempre se manifestou discípulo e amigo de Jesus Cristo. Na ocasião em que este recebeu o recado das irmãs de Lázaro: “Senhor, quem amas, está doente” e Jesus disse aos Apóstolos: “Vamos a Judeia”, — resolução a que estes se opuseram, pelo perigo de Jesus ser apedrejado pelos judeus — foi Tomé quem disse: “Vamos com ele, para com ele morrermos.” Na última ceia falou Jesus da sua ida ao Pai, das muitas moradas no céu e da intenção que tinha de preparar lá um lugar para os Apóstolos; “quando eu tiver ido e preparado um lugar para vós, voltarei e vos levarei comigo para que estejais onde estou. Para onde eu vou, vós o sabeis, como também sabeis o caminho.” Tomé respondeu: “Senhor, não sabemos para onde quereis ir, e como é que podemos saber o caminho?” Jesus, porém, disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém chega ao Pai a não ser por mim” (João XIV).
Apesar de Tomé ter se prontificado a morrer com o Mestre, a prisão e crucificação do mesmo, lhe desanimaram e desorientara-o tanto que, não quis mais acreditar na Ressurreição; apesar dos outros Apóstolos, radiantes e jubilosos, lhe asseverarem que o Mestre tinha ressurgido dos mortos. Tomé não lhe pôs em dúvida a sinceridade, mas supunha que os companheiros talvez tivessem precipitadamente dado crédito a informações insuficientemente comprovadas, ou tivessem sido vítimas de uma mistificação diabólica. Daí a declaração peremptória: “Enquanto eu não vir nas mãos o sinal dos cravos; enquanto eu não puser meus dedos nas chagas e minha mão no lado, não creio”. Passados oito dias, Jesus satisfez a exigência do Apóstolo, apostrofando-o e convidando-o a que lhe pusesse os dedos nas chagas das mãos, e chegasse perto, para pôr a mão na chaga do lado e que desse crédito à sua Ressurreição verdadeira. Diante deste fato, vendo-se na presença de quem reconhecia como Mestre, Tomé não persistiu na incredulidade e, prostrando-se diante de Jesus, profundamente o adorou e disse: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus fê-lo levantar-se e disse-lhe com bondade: “Por me teres visto acreditaste, Tomé, bem-aventurados aqueles que, embora não vejam, acreditam”.
Sobre este episódio escreve São Gregório Magno: “A incredulidade de Tomé e a ordem que este Apóstolo de Jesus recebeu, de tocar-lhe nas chagas, não foi um acaso, mas alto desígnio de Deus. O discípulo que, duvidando da Ressurreição do Mestre, pôs as mãos nas chagas do mesmo, curou com isto a ferida da incredulidade da nossa alma. A incredulidade de Tomé foi para nós de vantagem maior que a fé dos demais Apóstolos; porque, tornando-se crédulo, pelo contato das chagas, consolidou a nossa fé, banindo qualquer dúvida”. Santo Agostinho diz, a respeito da mesma questão: “Tomé, homem santo, justo e leal, exigiu tudo isto, não porque duvidasse, mas para excluir qualquer suspeita de superficialidade. Era-lhe bastante ver aquele que conhecia; mas para nós era necessário que tocasse naquele que via, para que ninguém pudesse dizer que os olhos o enganaram, quando não era possível as mãos o enganarem”.
Na divisão dos Apóstolos coube a Tomé a terra dos Partas, povo que ocupava a Pérsia e que nunca se sujeitou ao poder de Roma. É provável que Tomé tenha pregado o Evangelho na Índia, onde São Francisco Xavier ainda no século XVI encontrou vestígios da Igreja ali fundada pelo Santo Apóstolo. Julga-se que São Tomé tenha morrido mártir pela fé do Divino Mestre. Há quem diga e sustente (com que provas não conseguimos descobrir) que São Tomé tenha sido o primeiro Apóstolo dos indígenas do Brasil e do Peru. Diz-se, que numa praia da Bahia existe uma grande pedra bem lisa, que apresenta a impressão de dois pés humanos, pedra a que os índios deram o nome de Sumé, palavra na qual muitos querem reconhecer uma corruptela de Tomé.
A arte cristã apresenta São Tomé com uma lança, instrumento do seu martírio. Foi a lança que o uniu para sempre ao Divino Mestre, em cujo lado, aberto pela lança, o Apóstolo pusera a mão. Artistas há que o apresentam com um esquadro na mão, querendo assim simbolizar a retidão e sinceridade do caráter do grande Apóstolo.
Reflexões
Jesus chama a Tomé de incrédulo, porque este negara a fé a um único artigo — a Ressurreição de Jesus Cristo. É certo que a pessoa que rejeita ou põe em dúvida um só artigo da fé não é mais católico. O católico deve confessar todos os artigos do Credo, por mais insignificantes que lhe pareçam. Deus é infalível também nas coisas pequenas. Negar um ou outro artigo da fé é dizer: Deus errou ou foi enganado; ou então: Deus não é verdadeiro; ensina-nos coisas erradas. Pouco importa, agora, se o artigo em questão é de importância ou não.
Dizer que Deus se enganou ou quis enganar em coisas leves, é ofendê-lo mais do que lhe atribuir erro em matéria grave. O católico que nega uma verdade da fé, é como Tomé — incrédulo; é desobediente, como aquele que observa nove mandamentos da Lei de Deus, desprezando um. Aos incrédulos acontecerá o que Jesus Cristo disse: “Quem não acreditar ao Filho, não verá a vida e sobre ele ficará a ira de Deus” (João III, 36).
Santos cuja memória é celebrada hoje:
Em Antioquia, o bispo-mártir Santo Anastacio, no tempo do Imperador Phocas, assassinado pelos judeus. 609.
Em Nicomédia, na perseguição de Diocleciano, o sacerdote Glycerio; morreu queimado. 303.
Em Cochinchina, o bem-aventurado Franscisco Jaccard, do Seminário de Paris, e o seminarista Thomas Thien, estrangulados em 1883.
Notas
- PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-ii ↩